Naquela noite ele queria ser outro. Não suportava sua existência tão comum há
tantos anos. Era uma sexta à noite e ele precisava mudar. Havia chegado a hora
de fazer acontecer.
Sugeriram-lhe que fosse Jesus. Achou simpático demais. Muito
bondoso, muita compaixão. Além do mais, poderia ser trocado por um bandido.
Esse seria o estopim para distorcerem tudo que dissesse e enganar o pobre povo
que o acreditaria cegamente.
Sugeriram-lhe que fosse Galileu. Um grande revolucionário,
pensou. Mas que recuou para não perder a vida. E um revolucionário deve morrer
de pé, jamais em retirada. Tudo podia ser diferente se Galileu tivesse
suportado as armas da tortura dos falsificadores de Jesus.
Sugeriram-lhe que fosse Napoleão. Impactante, foi como
observou. Mas se fosse para ser conquistador, ao menos seria um herói e não um
louco. Talvez Bolívar, retrucou.
Sugeriram-lhe que fosse Ford. Automático demais. Como
poderia suportar ter criado o lucro em cima da repetição. Um atraso para o
mundo. Homens cegos com um único movimento salvo em suas memórias.
Sugeriram-lhe que fosse Don Juan. Isso era tentador. Era de
amor que precisava. Mas suas paixões
precisavam trabalhar pela manhã. O mundo realmente não queria beleza.
precisavam trabalhar pela manhã. O mundo realmente não queria beleza.
Sugeriram-lhe que fosse Homero. Muito verso para pouca história.
Talvez Agamemnon. Mas faltaria coragem para matar uma filha.
Ele só queria ser outro. Não precisava ser melhor. Mas
precisava ser alguém.
E decidiu ser o Sérgio Sampaio Paulistano. Bêbado. Louco. Preso
entre as quatro paredes da vida, comendo pizza portuguesa sem cebola e sofrendo
por amor. Tolo como poderia ser.
Uma sexta à noite e ele dormia jogado no sofá da sala, com o
disco na vitrola dando voltas sem dizer nada. Com a cama fria e vazia. E com
aquele sonho com sua melhor amiga. Que nunca quisera ser sua paixão.
Ele decidiu ser o Sérgio Sampaio Paulistano. Bêbado. Louco. |
Marc Domos
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