terça-feira, 23 de julho de 2013

Aos crucificados da Candelária


Paulo R. Oliveira morava na rua
                                                 [vagabundo
Anderson O. Pereira cheirava cola
                                                     [drogado
Paulo J. Silva pedia dinheiro no farol
                                                        [pivete
Marcos A. Alves Silva não ia pra escola
                                                             [maloqueiro
Leandro S. Conceição furtava comida
                                                          [delinquente
Gambazinho ficava pedindo esmola
                                                      [desocupado
São vinte anos atados numa cruz.
Valdevino M. de Almeida era preto
                                                      [bandido
Marcelo C. Jesus catava papelão
                                                  [ignorante 

E não foram eles que escolheram

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Ecos, coração, estrelas

No escuro do cometa azul
Que desliza pela estrada sem cor
Ecoam insistentemente as batidas
Do coração que ficou pra trás
E ao ouvi-las se transformam
Nas estrelas do céu de Minas Gerais.

E os olhos que verteram lágrimas
Ainda que de saudades –
Felizes – não de dor,
Expeliam das mais brilhantes
Águas, cevaram o amor.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

O vago que move

É o poder do silêncio
Daquilo que eu quero escrever
Como os furos de uma blusa de lã tricotada
Como o interior de um balão flutuando
Como o rio que lentamente vai-se anônimo sob a ponte de madeira no interior do país
Como o vazio dos zeros de um milhão
Como a colmeia que tem no oco dos favos o mel

É o poder do silencio
Que quero as pessoas sentindo ao ler
Como a descarência do abraço apertado
Como o não respirar do beijo apaixonado
Como o surdo encontrar de olhos ao descer do ônibus em uma rodoviária em Minas Gerais
Como o sorriso amarelo de café
Do cronista que passou noites acordado

sexta-feira, 14 de junho de 2013

As revoluções são assim (Era outono e as flores nasciam)

Era outono e as flores nasciam
Era noite e as ruas se iluminavam
Era em São Paulo e as pessoas se uniam
Eram balas e ficaram macias
Eram bombas e ninguém fugia
Era o estado e era a rebeldia
As revoluções são assim
Se inverte a ordem das coisas e o povo toma o céu de assalto num pulo.
As sirenes se tornaram melodia

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Impulsível



E do erro surgiu o novo
A emaranhada dialética surgiu da ignorância
E a tolerância permitiu acontecer

Não sabendo escrever,
O analfabeto foi lá e escreveu:
Impulsível.

E foi o impulso pra que a magia surgisse
E a vida fez-se nova

O gramático continuou a corrigir impassível

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Pássaro Liberto

A Rafael Larrea

Canta a liberdade o pássaro liberto
Canta também aquele que está preso
Não pode cantar outra coisa quem tem asas
Não pode se contentar com coisa menor
[quem tem sonhos

A guitarra toca o louvor à nova história
Embala o caminhar dos lutadores
Ressoa mais alto que o grito dos conservadores
Há de tocar o hino da nossa vitória

domingo, 14 de abril de 2013

Sobre amores e revoluções


Se aproxima a hora de decisão
O amor precisa ter
Ser e fazer revolução

Porque não se reduz jamais uma história
Que só muita paixão pode fazer suportar
Carregar sua cruz eleva a glória
E a superação se faz invejar

Como a distância entre as margens
Que só engrandece um rio
A dureza larga e funda da saudade
Amplia o querer por mil

E durante todo o dia
Te vejo em minha frente
E escrevo poesia, pra te contar
Como só assim fico contente

Mas não há pior tempo para escrever
Do que o momento de defender
O indefensável
Dizer que o que hoje nos faz sofrer
Será o motivo de nos tornar inseparáveis

Então lembre que eu aqui fico sonhando
Sabendo que se torna (aos poucos) realidade
O momento que (nós dois) ansiamos
De plena e infinita felicidade

Não tenha dúvida mas questione
Como o Sol que se põe à tarde

domingo, 31 de março de 2013

Assumo-me poeta

Frase do psicólogo soviético Lev Vygotsky
Não colocar as ideias em palavras é viver nas sombras!


Assumo-me poeta
E faço com a única intenção
De dar as minhas frases desconexas
Uma vulgar profissão

Às rimas dou-lhes títulos
Às paráfrases dou razão
Às antíteses dou ouvidos
E aos sonetos, promoção

Assumo-me poeta
E já caio em contradição
Rimas soltas, rimas certas
Sonetos, odes, ou canção?

Aos verbos dou-lhes vírgulas
Às certezas, opção
Ao sentido, tiro a clareza
Dos sinais de pontuação

Assumo-me poeta

sábado, 30 de março de 2013

Naquela noite ele queria ser outro


Naquela noite ele queria ser outro.  Não suportava sua existência tão comum há tantos anos. Era uma sexta à noite e ele precisava mudar. Havia chegado a hora de fazer acontecer.

Sugeriram-lhe que fosse Jesus. Achou simpático demais. Muito bondoso, muita compaixão. Além do mais, poderia ser trocado por um bandido. Esse seria o estopim para distorcerem tudo que dissesse e enganar o pobre povo que o acreditaria cegamente.

Sugeriram-lhe que fosse Galileu. Um grande revolucionário, pensou. Mas que recuou para não perder a vida. E um revolucionário deve morrer de pé, jamais em retirada. Tudo podia ser diferente se Galileu tivesse suportado as armas da tortura dos falsificadores de Jesus.

Sugeriram-lhe que fosse Napoleão. Impactante, foi como observou. Mas se fosse para ser conquistador, ao menos seria um herói e não um louco. Talvez Bolívar, retrucou.

Sugeriram-lhe que fosse Ford. Automático demais. Como poderia suportar ter criado o lucro em cima da repetição. Um atraso para o mundo. Homens cegos com um único movimento salvo em suas memórias.

Sugeriram-lhe que fosse Don Juan. Isso era tentador. Era de amor que precisava. Mas suas paixões

segunda-feira, 11 de março de 2013

Protesto Poético

O poeta russo Maiakovsky

Não vou renegar meu passado de poeta analfabeto
Não vou me curvar às regras da burguesia da língua
Vou ser um rebelde dos versos sem métrica
Farei passeata pelas estrofes com as palavras oprimidas
Caminharei de mãos dadas com os sentimentos
Carregarei a bandeira do livre-arbítrio literário
Fonemas, adjetivos, verbos e substantivos
Perderão seu caráter de classe e seus privilégios sintáticos
Todos serão palavras. Sem distinção de raça, credo, função ou cor
Minha poesia será para os que não sabem ler
Será para os que não compreendem o ultralfabetismo do intelectual
Será para os que trabalham e sabem do que eu digo

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Duas linhas de amor


Isso aí. Tem que botar o coração nas palavras
E o bom humor na vida
Cantar as alegrias e as vitórias
Fazer uma festa com nossas memórias
Esquecer nessas horas que a labuta é sofrida
Passar o dia fazendo o que é melhor
Fazendo o melhor possível aquilo que é preciso fazer
Fazendo o que ninguém faz
Pois é preciso botar o amor entre as linhas
Não deixá-lo na linha de fundo
Nem jogado para escanteio
Ou impedido por alguém que não quer deixá-lo passar
O amor tem que estar no ataque
O coração tem que estar na ponta da língua
Pulando do peito, apertando a garganta.
O amor tem que estar nos lábios
E o coração nos braços
Tem de receber outros braços
E molhar outros lábios

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Na Avenida São João, entre lojas de discos e edifícios vazios


Esse meu coração frio morando na Avenida São João
Entre lojas de discos e edifícios vazios
Tentado a se jogar do precipício
No abismo do Viaduto do Chá
Pelo chá de cadeira de Santa Ifigênia que não quer lhe escutar
A memória vai ladeira abaixo
Não adianta, não acho na Vinte e Cinco de Março
Trabalhadores no centro de São Paulo
durante a Greve Geral de 1917
Nenhuma travessa de confiança que me leve até a Luz
A luz se apaga detrás da vidraça
E vira fumaça do crack
Que queima no cachimbo da dor

sábado, 19 de janeiro de 2013

Poema forçado às seis da manhã

Sente aqui, por favor, que eu quero lhe contar
Essas horas todas de viagem foram suficientes pra pensar
Na vida que eu deixei pra trás
Na vida que eu quero levar e te levar
E muito mais

Não que eu tivesse de acabar com outras dúvidas
Nem que precisasse brigar com coisas miúdas
Mas eu morro de pavor se eu só sonhar
E não pensar
E mais

Sente aqui com seu amor e venha me acompanhar