Não é fácil compreender o que é ser professor! |
Hoje, depois de ter entregue e receber a aprovação ao último
trabalho exigido para minha formação, posso dizer – com o orgulho que me traz
esse direito – que sou um professor. Mais um soldado do exército da educação.
Mais um, entre tantos outros homens e mulheres, que dedicará sua vida a
conceder a liberdade a outras pessoas. Pois se uma revolução social pode trazer
a libertação social, somente a educação pode trazer a libertação individual. Só
a educação pode levar o indivíduo ao conhecimento e à sua autonomia para
compreender o que ele é.
Foram quatro anos de esforço. Faço questão de não usar o
termo “sofrimento”. Pois não foram quatro anos de sofrimento. Se, em algum
momento eu exigisse – ou tenha exigido, quando ainda não era capaz de
compreender esse erro – que os professores me facilitassem o caminho até minha
formação, ou que amigos me favorecessem nas tarefas que me levariam ao
orgulhoso título de professor, eu estaria sendo submisso à ignorância. Estaria
renunciando ao conhecimento e abdicando do direito de me considerar o mais
honroso dos profissionais. Estaria sujando minha própria história e deixando de
ser digno de me tornar professor.
Não digo que tal coisa não possa ter acontecido. É permitido
que um estudante – e recuso-me a usar o termo aluno, pois deriva de uma
expressão do latim que significa “sem luz” – cometa erros, para isso servem as
avaliações e a habilidade corretiva do professor. Mas o erro de querer
tornar-se um professor por caminhos mais fáceis é um erro que o estudante deve
reconhecer e abandonar em um momento da sua formação. E é esse momento que faz
com que ele deixe de ser um estudante para tornar-se professor.
Hoje posso dizer a qualquer pessoa que sou um professor.
Mesmo sem ter entrado na sala de aula. Porque sei que no momento que me for
exigido eu estarei preparado para assumir a responsabilidade. E devo essa
capacidade, além do meu próprio esforço, aqueles que estavam à frente me
proporcionando a condição que tenho hoje. É aos professores que tive e a toda
organização escolar desde o primeiro dia que entrei em uma escola que devo a
honra de ter me tornado Licenciado em Ciências com Habilitação em Química.
Às vezes brinco que por ser professor e, além do mais,
professor de química sou louco ao quadrado. Mas esta brincadeira só existe da
boca para fora. No momento que compreendi a importância do professor e o papel
da química na minha vida e na sociedade tive a oportunidade de deixar de ser
ignorante para tornar-me sábio.
E o que me levou a essa compreensão? Por que não desisti
antes e voltei para meu seguro lugar em uma bancada atrás de um equipamento de
última geração com um salário que me dava muito mais tranquilidade financeira
nesse mundo de valores quase puramente monetários?
Compreendi e não desisti, porque entendi que o professor é o
transformador da sociedade, de forma indireta, através da transformação das
pessoas. Quando compreendi que estaria trabalhando para o povo, que o povo
seria meu patrão e ao mesmo tempo meu aprendiz pude ver que ali estava o lugar
seguro que eu queria ocupar e ali estava um equipamento que sempre será de
última geração, que sempre será a vanguarda das mudanças na sociedade.
O salário? O salário será a libertação de cada indivíduo da
ignorância. Meu pagamento será cada novo estudante formado cidadão e consciente
das suas necessidades e de como ele poderá saná-las. Quando me permiti ter o
título de professor, me obriguei a defender a causa da liberdade e da igualdade
de condições e oportunidades. Essa causa que me levou a suportar os anos de esforço
em que estive na faculdade e que me levou a ter como tema do meu último
trabalho na minha graduação o Letramento Científico.
Seria comum que eu decidisse trabalhar com meu grupo um
assunto já esgotado e que me facilitasse o caminho concluído ontem. Mas um
professor nunca pode ser comum. E junto ao meu grupo e a todos os amigos da
minha turma que também se esforçaram para sair do lugar comum, vejo que a
sociedade tem novos defensores da libertação do indivíduo da ignorância. Esse
último trabalho veio me mostrar que é preciso cada vez mais buscar o título
pelo mérito. Que esse esforço me dará a condição de garantir a qualquer
questionamento que sim, eu sou professor.
Trabalhar o letramento científico, buscar referências quase
inexistentes em autores quase anônimos, me condicionou também um letramento.
Agora enxergo ainda mais a possibilidade que tenho de transformar a sociedade,
a importância que eu tenho e que os conhecimentos que adquiri têm de construir
uma sociedade livre da injustiça e da desigualdade. E é em busca dessa
sociedade que usarei minha licença para transmitir conhecimento a quem não o
possui. É em busca dessa sociedade que
me recuso a limitar meus esforços para formar alguns novos professores no futuro
e por esta sociedade me recuso também a limitar meus esforços para “salvar”
alguns e não todos os estudantes que estiverem na mesma sala de aula que eu.
É por esta sociedade que me recuso a buscar o caminho mais
fácil, de menores glórias e menores conquistas. O caminho mais fácil que leva a
menores conhecimentos, a menores níveis de letramento, à menor liberdade. Não
aceitarei que me oriente pelo caminho mais fácil e peço que todos me impeçam de
segui-lo.
A permissão que tenho para chamar-me de professor é a
permissão que todos têm de me cobrar como professor. E para tal é preciso estar
convicto, de que só atuando e entregando todas as forças pela liberdade do
povo, eu poderei manter meu título de professor. Um título que não se mantém
num diploma na parede de casa, mas que se carrega na ponta dos dedos, na ponta
da língua e no meio do coração.
Lucas Marcelino
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